segunda-feira, 2 de março de 2009

A hipocrisia nossa de cada dia

O Brasil apresenta problemas sócioeconômicos tão graves que sua população, seguindo o rótulo do “jeitinho brasileiro”, tenta distanciar-se desesperadamente, visando àquela vida que lhe é sugerida em telenovelas e afins. A galhofa, recheio dos principais meios de entretenimento hoje, está tão disseminada que não é difícil encontrá-la nos, até então incorrompíveis, setores sociais: Igreja, família e trabalho. O que antes era “brincadeirinha de criança”, hoje mentir vem se tornando um pré-requisito para ter-se “vida sócioeconômica” plena.
O curioso disso é que boa parcela dos brasileiros não notam a absurda proposta de vida que os "meios culturais” tentam vender. Verdade seja dita: muitos querem galgar ao “American way of life”, propositalmente imposto pela mídia. E isso implica, obviamente, no uso da hipocrisia, o quesito primeiro deste estilo de vida. Com isso, a população incorpora-a ao dia-a-dia, corroendo o seu senso crítico, algo que o cidadão, sobretudo o brasileiro inconformado com o descaso que o país lhe assiste, deveria preservar.
Outro uso que se pode conferir à hipocrisia, esse mais visível que o anterior, é relacionando-a a um “colete à prova de balas”, no qual o usuário protege-se da verdade a qual está sujeito diariamente, como miséria, violência e descaso do governo, por visar à uma aparente melhoria em sua qualidade de vida. Esse modo hipócrita de encarar a realidade resulta no esperado pelas autoridades políticas: a “acomodação” social.
No entanto, os frutos aparecem, e sempre para pior, logicamente. Tragédias familiares, padres pedófilos, corrupção no Congresso Nacional, preconceito de todos os tipos, entre outros, retratam as tristes conseqüências que, surpreendentemente, não conseguem apagar esse vício tão bem tecido na população. A hipocrisia é um costume brasileiro tão bem reforçado pelos órgãos estatais que, além de necessário, é prioridade na vida de qualquer cidadão hoje.

Uma redação em arquivo.

A Escola Alberto Fantasia nunca mais foi a mesma após o extraordinário acontecimento. Todos ficaram assustados e atordoados, também pudera, com esse tipo de coisa acontecer em uma escola do interior de uma cidade pacata e tranqüila.
Ângela Pêra foi a primeira a ver. Seu sentimento foi de profundo choque, pois o que seria um dia rotineiro de aula se tornou uma confusão de repórteres e cinegrafistas. Carros e mais carros de jornais, transmissões ao vivo para todo o país e ela, Ângela Pêra era uma garota reservada e pensava que nunca iria acontecer nada de fantástico e inusitado com ela. Mas aconteceu. Ela se tornou o alvo de inúmeros repórteres afoitos por informações. Todos queriam informações.

- Como ele era? – perguntou um jornalista.
- Ele falou com você, Ângela? - perguntou um repórter.
- Ângela, o que realmente aconteceu lá nas árvores? - indagou um policial.

Ângela, sem saber por onde começar, tentou uma resposta que agradasse a todos.

- Ele disse que irá retornar e fazer mais vítimas. Minha amiga não merecia isso e estou realmente triste com tudo o que está acontecendo.
Os repórteres não se deram por satisfeitos e pediram mais detalhes sobre o homem que matou a amiga de Ângela, afinal de contas, Ângela e Vanessa eram inseparáveis, segundo os amigos e professores da Alberto Fantasia. Ângela disse:
- Foi tudo muito rápido. Eu e Vanessa estávamos conversando e comendo bombons quando ela simplesmente caiu no chão gritando. Pensei que fossem os doces, mas havia um homem pequeno e de capa vermelha atrás dela. Eu me assustei com o que ele disse e saí correndo de volta à escola. Vanessa não merecia isso. Parem de me pressionar! – disse Ângela tremendo.
Os repórteres deram uma trégua para a pequena Ângela Pêra e seguiram entrevistando outras pessoas e amigos dela e da vítima. Nunca uma escolinha do interior tinha acumulado tanto repórter e carros de polícia. Todos os jornais com a mesma manchete: “MORTE NO ALBERTO FANTASIA. ASSASSINO FORAGIDO”. Provavelmente, mortes inexplicáveis e assassinos misteriosos atraiam a atenção das pessoas e jornalistas. O tempo passou, mas não apagou o triste ocorrido.
Ângela Pêra calculara muito bem sua ascensão na carreira televisiva, fruto de uma armação brilhante nos tempos da escola, da qual nunca ninguém desconfiou. Ela sempre foi bastante determinada e inteligente a ponto de matar uma garota envenenada e inventar uma história mirabolante de um suposto homem de capa vermelha. Agora, vive feliz e tranqüila em sua mansão milionária e todos os dias ouve seu nome na mídia revelando uma postura a favor dos mais carentes e necessitados.