quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Carmem: sangue de Deus

As mãos da tristeza tapavam seus ouvidos e suas vistas fitavam o rosto desesperado da filha, envergonhado e nervoso, manchando-se e pingando lágrimas sobre o prato vazio e ressequido do almoço. Não queria mais ouvir. “Já chega disso!”. Acabara o mistério de três anos.
Carmem supôs que a mãe ficaria abalada com a novidade, já que a Igreja nunca aceitará tal pecado. Sentindo-se mais aliviada, lembrou-se que ainda tinha atividades a entregar no dia seguinte e que também encontraria com Gil para rirem um pouco da situação monstruosa que ambas descreveram para esse momento.
Vendo a face de normalidade da filha, achando que ela tinha o direito de fazer tal escolha, Lúcia descontrolou-se. Não era justo. A vergonha, o medo, a raiva, a ira de uma mãe solteira. O desespero, a faca, a lágrima, o momento diabólico, pratos, mãos de sangue, dor, escuridão.
20:23h. Firmes mãos policiais conduziam-na ao camburão da viatura 3445 da PM. O estrondo do porta-malas fechando-se fez Ana Lúcia lagrimar. Os gritos ainda soavam fortes em sua mente. Partiram. Prédios. Casas. Pessoas virando as cabeças e forçando a visão para o/a do bagageiro militar. Pela sua vista, o dia-dia noturno da Doca de Souza Franco. Por seus ouvidos, o som estridente da sirene policial. “Por quê? Ela não me deixou saída, meu Deus... minha única filha. Carmenzinha...”

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Carmem

O ser humano é tão complexo. Cheios de defeitos/qualidades que os fazem confiáveis/suspeitos. O que está por trás dos comportamentos e atitudes de cada um? Existe uma lógica comportamental? Acompanhe a história de Carmem para descobrir.
...
"O que está acontecendo com a minha filha?", pensou Ana Lúcia já na cama. Carmem, ao ver quem estava ligando para o seu celular, horas antes, trancou-se no quarto. É "ela" de novo, só pode. "Hum, Deus me livre, é só uma amiga mesmo... deve ser coisa lá da UFPa, é isso..."
O fato era que, sempre esse horário da noite, a bendita menina ligava para ela e a fazia correr para o quarto atender. Será que algo estava 'errado'?
Na manha seguinte, pontualmente às sete horas da manhã, Ana Lúcia já estava sentada nos bancos da Igreja de Lourdes, esperando o terço que antecede a missa de domingo.
Ao descer do Icoaraci - Alm. Barroso, na Doca, o seu celular toca. Era a filha perguntando se a mãe já estava chegando.
"Sim, filha, estou quase na porta já."
"Ah, tá, ok, até mais...", disse ela apressada em desligar o telefone.
Ao virar a maçaneta, vê "ela" com a filha estudando na mesa da sala. Carmem não avisara nada? Por quê?
"Oi, tia, beleza?", "Ela" perguntou. Suas roupas estranhamente masculinas.
"Oi, como vai? Você e a ...?", indagou sendo mais educada possível.
Carmem apressou-se, visivelmente envergonhada:
"É a Gil, mãe, minha amiga lá da sala. A gente tem um trabalho pra entregar na terça e resolvemos nos reunir hoje."
Ana ficou com aquilo na cabeça. Quem era aquela menina e por que usava aquelas roupas e por que falava daquele jeito? Eram quase meio-dia e ela chegou que horas? Será que vai almoçar? Por que Carmem não disse que "ela" vinha aqui?
Lúcia notou que, desde a filha conheceu essa menina, seu comportamento mudou. Andava mais desleixada, despreocupada com sua aparência, no "mundo da lua..."
Depois do almoço, uma lágrima desce pelo rosto de Carmem. É hora de abrir o jogo. (Continua)