sexta-feira, 8 de maio de 2009

Realidade cruel

O lento cortejo acompanhava o corpo da mendiga Silvana, no cemitério de Santa Izabel, no bairro do Guamá. Alcoólatra, a pedinte se envolvera em um acidente de trânsito na Almirante Barroso. No impacto, a criança que carregava a tiracolo se salvou, milagrosamente.
Nas ruas, alguns falavam: “Aquela mulher é rica, cara... Disque ela aluga não sei quantas casas lá no Guamá...”, “Eu num dou um centavo pra essa mentirosa.”.
A vida de Silvana não foi fácil. Filha de merendeira com pedreiro, viviam em um barraco de lona na periferia do Guamá com mais 8 irmãos inicialmente. A situação era extremamente difícil. Nem todos tinham o privilégio de comer alguma coisa. A renda mensal máxima era de R$ 58,00. Quando a mãe engravidava, era uma alegria e um alívio. “Eba, a gente vai ter o que comer!”. O esporádico leite materno não durava muito. Fome. Doenças. Choros de madrugada. Sede.
Depois do fechamento da escola que a mãe de Silvana trabalhava, a situação piorou muito mais. Seis filhos morreram mês seguinte. Restaram Dejair, mais novo, e Silvana como a mais velha depois da “morrança”.
Roberto arranjara um bico de marceneiro, em uma oficina no bairro da Pratinha, enquanto Jandira levara as crianças para os ônibus e sinais, principalmente da Senador Lemos, para pedir dinheiro. Com o tempo, a prática de mendicância foi se aperfeiçoando e a grana foi aparecendo. A situação deu uma aliviada. Roberto começara a construir moradias.
Jandira tinha uma especial técnica para atrair centavos. Carregava o filho pequeno no colo e, fazendo cara de fome, pedia dinheiro para dar comida a seus filhos. A voz suplicante era fantasticamente agoniante. Silvana, a maior, passava a roleta para recolher as contribuições. O apelo era bastante convincente e emocionado, fruto do desespero de épocas anteriores.
Os alugueis de Roberto começaram a dar retorno à humilde família. Com o tempo, os filhos foram crescendo. Dejair, o filho pequeno de Jandira, crescera. Orientado pela mãe, teve que se fingir de doente mental para conseguir algum trocado. Já Silvana, seguira o papel da mãe. Mas não conseguia engravidar. Na própria periferia do Guamá, conseguira duas crianças para serem seus “filhos”. Vestida com panos sujos e maltrapilhos, com o rosto borrado de carvão e maquiagens, sai às ruas de Belém. Enquanto isso, Dejair melhorava sua farsa de deficiente. Muito boa, por sinal. Chegava a se babar e se urinar dentro dos ônibus, arrecadando muitos centavos, e até reais. Foi difícil aprender, mas a vergonha perdeu para a vontade de reais.
Jandira e Roberto, enquanto os filhos trabalhavam, descansavam na mansão no bairro da Brás de Aguiar, com 6 suítes, dois andares e cerca elétrica. Com 10 casas alugadas, todas construídas com o suor do pai da família; vivam no luxo agora. Empregados tinham 5, sem contar com 2 jardineiros.
Até que, numa tarde nublada de Sábado, Silvana morre em um acidente de trânsito. A criança escapa ilesa. A outra assiste a tudo. Sangue. Sirenes. Gritos. Jandira fica sabendo pela criança maior que estava junto de Silvana. Nada faz para ajudar sua filha mais velha.
Como indigente, Silvana é enterrada.
Dejair continua no serviço de deficiente.
A mendicância precisa se aperfeiçoar. O dito e popular: trabalho informal.